quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Uma história de chorar

O conceito de FC Porto está intrinsecamente ligado ao conceito de cidade, mais concretamente ao da cidade do Porto.
É verdade que outros clubes representam a cidade, como o Boavista, o Salgueiros, o Leixões, entre outros mas, exceptuando estes, de menor expressão, é o FC Porto que representa o Porto no imaginário de todos os portugueses.
A cidade e o clube da cidade, foi assim que sempre foi vista a relação entre o Porto e o FC Porto.
Foi assim que, em 1933, traduzindo o sentimento da cidade, se chegou, numa assembleia geral do clube, ao entendimento de que, sendo o Campo da Constituição já insuficiente para as necessidades do FC Porto, urgia edificar, dentro dos limites urbanos, um recinto desportivo digno da história do clube, e à altura dos pergaminhos da Cidade Invicta.
Em 1943 começou a discutir-se o local da cidade mais indicado para a sua construção. Esta discussão foi renhida, uns defendendo determinada zona da cidade, outros outra, e por aí adiante.
Só em 1949 houve consenso na construção do complexo desportivo do FC Porto no conceituado bairro das Antas.
Em 8 de Dezembro desse ano foi lançada a primeira pedra e, a 28 de Maio de 1952, foi o estádio inaugurado com pompa e circunstância.
Pela imagem que deixo abaixo, resultante de estudos da época, se presume que, inicialmente, estaria prevista a construção de uma porta grandiosa voltada para a Avenida Fernão de Magalhães, composta por duas colunas monumentais, encimadas por estátuas e ligadas por uma estrutura comprida, assente em várias colunas.


Estudo da época

Desconheço as razões que levaram à não construção desta entrada monumental, mas atrevo-me a pensar que, de duas um, ou este desenho se tratou apenas de um estudo não aprovado ou, então, alguns factos posteriores impediram a sua concretização, tais como, desentendimentos, escassez de financiamento, implicâncias administrativas, ou outras. Desconheço, mas tentarei averiguar.
Desconheço, mas também garanto que, a ter sido construída, se o estádio já era bonito, então passaria a ser fascinante.
O Estádio do FC Porto, popularmente conhecido por Estádio das Antas, era uma verdadeira jóia da arquitectura de então. O granito era branquinho, o relvado fino, a pista de atletismo larga e bonita – só concluída em 1960 –  e a bancada, em forma de prato ladeiro, era baixa, para que os adeptos pudessem ver de perto os jogos e as corridas. A bancada central nascente não existia, para dar lugar à maratona.


Este Estádio era uma jóia. À esquerda, a Praça Velasquez, ainda sem prédios.
Ainda não existia qualquer complexo desportivo abaixo da maratona.

O Estádio dessa altura, visto da Praça Velasquez.
Repare-se na brancura do granito e na harmonia das suas formas.
Numa das casas, que ao todo fazem sete janela e correm para a esquina
da praça com a Fernão de Magalhães, veio um dia a viver José Maria Pedroto.

A brancura do granito, agora vista dentro do Estádio,
na pala e cadeiras que ela cobre.

Agora já com  escadinhas que desciam para o novo campo de treinos. À esquerda
deste, já desenhado no chão o espaço onde se viria a construir o pavilhão
 Afonso Pinto de Magalhães.

Nesta fotografia o pavilhão Afonso Pinto de Magalhães
 já se encontra construído. Ainda não existe a piscina
 nem o pavilhão Américo de Sá.

A beleza do Estádio das Antas estava precisamente na brancura do granito, na inclinação das bancadas, na pequena altura destas – à semelhança da dos campos de jogos gregos e romanos – na graciosidade da pala, por cima dos cativos – que na altura ainda não existiam – na pista de atletismo e, sobretudo, na beleza da porta da maratona.



Uma corrida de atletismo na pista das Antas

*

Convém aqui falar um pouco da maratona.
A Grécia Antiga era uma nação com muitos estados dentro de si, cada um correspondente a cada uma das suas cidades.
No ano 490 a.C., os Persas atacaram Maratona, uma cidade grega a 40 quilómetros de Atenas. Milcíades, comandante das tropas de Maratona, ao se aperceber que os soldados persas ascendiam a mais de 20.000, enquanto os seus rondavam apenas os 9.000, enviou o seu melhor corredor a Atenas, pedir aos governantes desta cidade o favor de mandarem o seu exército e se juntassem a ele na defesa de Maratona. Este poderoso corredor percorreu os 40 quilómetros a pé, num tempo recorde, conseguindo que os soldados de Atenas se juntassem aos de Maratona, que assim derrotaram os Persas.


A Grécia, à esquerda e, a Ásia Menor, hoje Turquia, à direita,
separadas pelo Mar Egeu. A Ásia Menor,  em 490 a. C.,
pertencia ao Império Persa.
Ao norte, a cidade de Maratona.

Batalha de Maratona.
Os soldados gregos usavam, a cobrir a cabeça,
um elmo de ferro com um arco no topo, 


O guerreiro de Maratona leva a mensagem de Milcíades
 aos generais de Atenas.

Em 1896 tiveram lugar os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, e criada a prova da maratona, com 40 quilómetros, alusiva à distância Maratona-Atenas, para homenagear o corredor de Milcíades. Em 1948, nos Jogos Olímpicos de Inglaterra, traçado o itinerário  da corrida pela comissão organizadora, verificou-se que a prova terminava a 2 km 150 metros do Palácio de Windsor. Foi então acrescentada esta medida à prova – medida que ainda hoje se mantém – para que a Família Real pudesse apreciar o ponto de chegada dos corredores.
Em Portugal uma lei obrigava a que os estádios fossem construídos com uma determinada abertura, para que os corredores das diferentes provas de maratona por elas pudessem entrar e concluir a corrida depois de uma volta ao estádio.
Assim se construíram os estádios das Antas, Alvalade, Braga, Belenenses e outros. O da Luz foi o primeiro a poder ser construído sem Porta da Maratona.


A maratona do antigo Estádio de Alvalade


A maratona do antigo Estádio do Braga


A maratona do Estádio AXA


A maratona do Estádio do Belenenses
A maratona do Estádio Nacional


Maratona do Estádio da Académica

*

O Estádio do FC Porto era, sem dúvida, o mais bonito de Portugal, por todas as razões, todas as que acima apontámos, mais a da sua originalidade, a da sua harmoniosa aparência e inserção no tecido urbano daquela zona da cidade, bem como o desafogo que lhe dava a ausência de malha urbana em seu redor.
Porém, ao longo dos anos que seguiram doze acontecimentos contribuíram para a progressiva fealdade do Estádio das Antas, para a ruptura com a sua harmonia e quebramento da sua singeleza: o escurecimento do granito pelo tempo, impossível de evitar, a cobertura dos lugares dos cativos, debaixo da pala, com cadeiras de plástico azul, o seu estrangulamento pela edificação de prédios à sua volta, o fechamento da maratona, a construção de uma arquibancada sobre a bancada que fechou a maratona, o rebaixamento do estádio e consequente desaparecimento do corredor dos peões e da pista de atletismo, a construção da Torre das Antas, a não mais de 30 metros da parede exterior da bancada central poente, o cobrimento de todas as bancadas do estádio com cadeiras de plástico azuis, extremamente feias, para além de mais escuras do que as da pala, já queimadas pelo sol, o frio e a chuva, a colocação de painéis electrónicos por cima das bancadas norte e sul do estádio, a colocação de painéis de publicidade a toda a volta do estádio, bem como no fundo e topo da arquibancada, a troca da saída e entrada dos jogadores, que se fazia por uma porta no solo, atrás das balizas - de que não temos fotografias -  por um túnel em harmónio, construído no fundo da bancada central que tapou a maratona, e a própria destruição do estádio que, para além de ter constituído a maior derrota do FC Porto em toda a sua existência, ali deixou nada, assim como o “Ground Zero” que resultou da queda das torres gémeas de Nova Iorque.


O escurecimento do granito pelo tempo


O estrangulamento do Estádio pela urbanização dos terrenos adjacentes.
Nesta fotografia, para além do Pavilhão Afonso Pinto de Magalhães,
já se vêem os edifícios da piscina e do Pavilhão Américo de Sá.


O fechamento da maratona e construção da arquibanca


A edificação à volta do Estádio, o mau escoamento
 e a maratona desaparecida.


O rebaixamento do Estádio. Repare-se nas cadeiras azuis
apenas na zona dos cativos.


O Estádio, depois de rebaixado.


Bilhete para o jogo de inauguração do rebaixamento do Estádio.


A colocação de painéis electrónicos nas curvas norte e sul do Estádio.
Repare-seque, nesta altura, ainda não existia a Torre das Antas.
Nesta foto já se vê,demarcado, o espaço onde se viria a construir
a Torre das Antas.


A construção da Torre das Antas a menos de 30 metros do Estádio.


A Torre e o Estádio vistos de poente.


Os festejos do Colectivo 95, por um golo do FC Porto, na Curva Norte.
Repare-se na  publicidade a toda a volta do Estádio.


A publicidade nos cativos.


O início da cobertura do Estádio com cadeiras azuis.


O Estádio coberto de cadeiras. Repare-se que as cadeiras
 dos antigos cativos estão mais esbranquiçadas.


No canto superior direito já se vê o início das obras do Dragão.
Das obras para poente já se começa a rasgar a Avenida do Dragão..
A primeira casa à direita da Igreja das Antas,
do ouro lado da avenida, irá desaparecer.


O rasgão da Avenida do Dragão já chegou à Fernão de Magalhães.


As obras do Dragão avançam.
Lá ao fundo, em cima, o Estádio das Antas
mergulhado na sua tristeza.


O princípio do fim.
O Estádio das Antas começa a ser demolido.


Por ironia do destino, a última peça do Estádio das Antas,
a bancada e arquibancada que fecharam a Maratona,
foi também a última a ser destruída.


Vista de avião.
A noroeste do Estádio do Dragão, o "Ground Zero", semelhante ao
buraco que ficou no local das Torres Gémeas de Nova Iorque,
 depois de desabarem, na sequência do atentado terrorista
 de 11 de Setembro.


O "Ground Zero" de Nova Iorque.


Uma ideia: acendam-se dois holofotes azuis virados para o
céu no "Ground Zero" das Antas, tal como no Ground Zero de Nova Iorque.
Ganhava o FC Porto, ganhavam os portistas, ganhava a Cidade e ganhava o País,
enquanto monumento ao Estádio Desaparecido.


Quem me leu até aqui já decidiu que eu sou um conservador retrógrado, que parou em 1952. Mas na realidade não sou retrógrado. Sei que o Homem tem que acompanhar o devir histórico, e o devir histórico muitas vezes exige mudanças.
Sim, sou conservador, mas ser conservador não é ser retrógrado. Ser conservador é promover as mudanças que o devir histórico exige, mas resguardando os modelos antigos que continuam a funcionar bem.
E o estádio das Antas ainda hoje poderia estar a funcionar bem.
Para isso o FC Porto deveria tê-lo mantido de pé, retirar-lhe a publicidade e as cadeiras horríveis que tinha, voltar a subir o relvado até à posição inicial, destruir a bancada e a arquibancada, reconstruindo a maratona, voltar a colocar atrás das balizas as escadas que davam para os balneários, agora reconstruídos de novo, limpar o granito de todo o estádio, até ele ficar branquinho como no dia da inauguração, e cobrir todos os assentos com cadeiras de fibra acrílica transparente, para se poder continuar a apreciar o granito, agora remoçado.
Aliás, defendo que, na parede exterior do estádio, se deveria remover toda a caliça e forrá-la com lâminas de granito iguais ao do interior do estádio.
Para quê? – Perguntarão os mais afoitos. Com que dinheiro? – Perguntarão todos à uma.
Aos segundo responderei que, se o FC Porto pôde negociar toda a construção do Estádio do Dragão, também teria podido negociar o terreno do antigo Estádio, com um passeio largo a toda a sua volta.
Ficaria o Estádio, só o Estádio.
Aos segundos responderei que o velhinho Estádio das Antas, agora remodelado, mantida a sua propriedade nas mãos do FC Porto, passaria a ser um magnífico espaço de espectáculos para a cidade, e de receita para o clube, acrescida de um sistema de visitas ao seu interior, obviamente pagas . Isto para já não falar da sua utilidade para treinos do FC Porto. 


Além disso, teria sido também uma grande homenagem a este Senhor,
podendo-se mesmo dar-lhe o seu nome,
Estádio José Maria Pedroto
NOTE-SE BEM.:

A construção do Estádio do Dragão foi motivo de orgulho para mim e para milhões de Portugueses espalhados por todo o Mundo.
Em 2000 impunha-se partir para a construção de um novo estádio, posto que o das Antas estava completamente ultrapassado, em termos de crescimento, de materiais de segurança, de conforto e de segurança, no quadro mundial, para o exercício do futebol.
O Euro 2004 deu ao FC Porto a hipótese de construir o estádio maravilhoso que é o Dragão, que é, somente, o estádio mais bonito de Portugal e um dos mais bonitos do Mundo.
Que fique claro que eu não sou retrógrado, antes pelo contrário, sou uma pessoa com os olhos postos no futuro.
Que fique bem claro que eu defendo que o Estádio das Antas estava a atingir os últimos níveis da nossa capacidade de o podermos utilizar.
O que eu lamento - isso sim - é que o Estádio das Antas não tivesse sido preservado como museu, sala de visitas, espaço de eventos para a cidade e o País, e até de campo de treinos.

HISTÓRIA DE CHORAR, sim, mas não por desejar que o Dragão se não tivesse construído e devêssemos continuar a jogar nas Antas. Apenas porque acho impossível que os verdadeiros portistas não sintam saudades do Estádio das Antas e porque defendo que este devesse ter sido preservado, nos termos e para os termos que acima referi.

Azulibranco

9 comentários:

Dragus Invictus disse...

Bom dia amigo Azulibranco,

Eloquente post acerca do Estádio das Antas, e perspectiva da sua evolução até à sua demolição.

Excelente para quem não conhece a história deste ido palco de magia, onde o sonho de um FC Porto de dimensão mundial se tornou real.

Quanto à sua opinião acerca do destino do mesmo, é de respeitar.
É uma opinião da saudade, sentimento tão típico do ser Português, mas quis o fado traçado pelos homens que evoluíssemos para o Estádio do Dragão.

Restam as memórias das alegrias dos domingos de futebol à tarde, onde as famílias conviviam ao redor de um Estádio despido de prédios ao seu redor.

Tenho saudades do futebol dos domingos à tarde, sem televisões e demais paneleirices televisivas.

Abraço

Paulo

Azulibranco disse...

Meu caro Dragus:

De facto, eu não me fiz compreender bem.
Passo a explicar:
A construção do Estádio do Dragão foi motivo de orgulho para mim e para milhões de Portugueses espalhados por todo o Mundo.
Em 2000 impunha-se partir para a construção de um novo estádio, posto que o das Antas estava completamente ultrapassado, em termos de crescimento, de materiais de segurança, de conforto e de segurança, no quadro mundial, para o exercício do futebol.
O Euro 2004 deu ao FC Porto a hipótese de construir o estádio maravilhoso que é o Dragão, que é, somente, o estádio mais bonito de Portugal e um dos mais bonitos do Mundo.
Que fique claro que eu não sou retrógrado, antes pelo contrário, sou uma pessoa com os olhos postos no futuro.
Que fique bem claro que eu defendo que o Estádio das Antas estava a atingir os últimos níveis da nossa capacidade de o podermos utilizar. Mas, pelos vistos, esta noção não ficou bem clara na crónica que escrevi, e me durou muitas horas a escrever, cerca de 12, divididas por vários dias.
O que eu lamente - isso sim - foi que o Estádio das Antas não tivesse sido preservado como museu, sala de visitas, espaço de eventos para a cidade e o País e até de campo de treinos.
Porque que esta questão não terá ficado clara, na crónica que escrevi, tal como me parece resultar do comentário do meu amigo Dragus, permito-me escrever imediatamente este meu comentário, na minha crónica, em jeito de nota final.
Cumprimentos.

Dragus Invictus disse...

Boa tarde amigo Azulibranco,

Eu entendi o sentimento que partilhou no post, e não levei para o campo do conservadorismo.

Este post está excelente, valeu o trabalho que teve na elaboração do mesmo, é uma peça que permite aos leitores mais novos conhecer a história de uma palco mágico, onde muitos de nós vivemos imensas alegrias.

De facto poderíamos ter aproveitado, como diz, a infraestrutura "como museu, sala de visitas, espaço de eventos para a cidade e o País e até de campo de treinos."

Abraço

Paulo

dragao vila pouca disse...

Isto é que na blogosfera que costuma chamar, grande posta de pescada.
Parabéns Azulibranco.
Só uma nota, na foto do Atletismo está o nosso amigo, Jorge Aragão, ex-atleta e dos bons, do F.C.Porto.

Abraço

Anónimo disse...

Boa-noite
A Académica tem o campo de Santa Cruz e o Universitário, embora não sejam bem da Académica mas da Academia de Coimbra.
O estádio mencionado é o Estádio Municipal de Coimbra, que chegou a ser utilizado sobretudo pela Académica e pelo União de Coimbra.
Cumprimentos
Moreira

Azulibranco disse...

Obrigado, amigo Moreira.

Anónimo disse...

Resta o lugar e o lugar une o tempo! Mas o seu ponto de vista é válido, isto é, a reconstrução ou melhoramento do antigo estádio das Antas poderia ter sido a solução. Foi precisamente isso que aconteceu na Republica da Irlanda, em Dublin, onde o antigo Lansdowne Road Stadium, um dos mais antigos estádios do mundo, foi recuperado e deu origem ao novíssimo e brilhante Aviva Stadium que, para mim, é o melhor estádio do mundo. É curioso observar como o novo Aviva Stadium segue a forma da anterior construção, modernizando-a e resgatando o passado/história para o presente e futuro. São opções. Construir de raiz ou recuperar, eis a questão! O FCP decidiu construir de novo e a verdade é que dessa decisão nasceu um estádio fantástico, os irlandeses decidiram reconstruir um estádio antigo e dessa decisão renasceu um estádio mítico!

MIKE

Azulibranco disse...

Abraço, anónimo amigo.

Sérgio de Oliveira disse...

Belo trabalho .
Parabéns !